Seja bem vindo a série Bahia Afetiva com textos que resgatam nossas memórias afetivas em coisas simples do dia a dia. Assim, independente da sua idade, vamos relembrar bons momentos, seja na comida, seja nos saberes e fazeres ou nas paisagens. Neste episódio, venha saborear afetividade na culinária baiana através da moqueca feita com azeite de dendê.
– Tem azeite aqui nessa casa gente? Faz tanto tempo que não preparo uma moquequinha pra gente …
Azeite de dendê traz boas lembranças lá do interior onde eu curtia as férias e observava meu avô preparando o azeite. Primeiramente, ele colhia o dendê que é o fruto da palmeira chamada dendezeiro. Em seguida, com um facão ele cortava o cacho de dendê separando os frutos. Depois, ele colocava pra cozinhar o dendê e em seguida, pilava o dendê até formar um caldo. Por fim, este caldo era fervido e produzia uma borra chamada bambá que era separado do óleo.
Pouco depois, vem o toque especial da minha avó que acrescenta castanha torrada, camarão seco, algumas folhas de língua de vaca e o resultado era tipo um caruru de folhas. Finalmente, servia os netos que entravam em êxtase com aquela comida tão saborosa. Assim, desfrutávamos de um momento único!
Bahia Afetiva – saberes
– Corre ali no mercadinho e traz tempero verde.
– Ei!Ei! Vem cá … Não esquece a farinha não, viu?!
– Oxente mainha, moqueca sem aquela farofinha, tá doido!
Farinha parece coisa sagrada na comida baiana. Acredito que tá entranhado na gente, assim como o dendê. Mas não pode ser qualquer farinha. Tem que ser torradinha e fina. Mas por que tanta exigência com a farinha, gente? Porque nasci vendo e ajudando meu avô a fazer farinha.
E pra fazer farinha é mais ou menos assim. Primeiro, a gente raspa a mandioca. Depois, põe pra moer. Em seguida, prensa até sair um líquido chamado manipueira, que por sinal é venenoso. Daí, a massa da mandioca é levada pra ser torrada numa grande chapa redonda aquecida pelo fogo a lenha. Embora hoje tenha diminuído a quantidade de casas de farinha e a produção seja feita em cooperativas industrializadas, na Bahia, ainda se mantém a tradição (o saber) da produção de uma farinha fina e de qualidade.
– Trouxe o feijão fradinho e o arroz branco? Claro mainha!
E eu gosto é de arroz branco que fica grudadinho pra eu colocar o caldo do peixe e ir amassando com o garfo soltando ele todinho.
– Mainha, será que dá pra senhora fazer um vatapá? Dá trabalho né?
– Que nada minha filha! Oxe! Rapidinho eu faço um vatapá de pão que você tanto gosta.
O vatapá é de origem africana e recebe o nome iorubá de ehba-tápa. Todavia, há vários modos de fazer vatapá (mesmo que alguns sejam “condenados”): de farinha de trigo, de farinha de milho, porém mainha é autêntica (rsrs) e faz com pão.
Tradição
– Tu comprou esse leite de coco, foi?! Tenho ranço desses negoço industrializado, sabia? Quebre esse coco ali no batente, fazendo o favor … eu vou fazer é meu leite de coco.
– Oxente mainha, um trabalho miserável!
– Que nada … É rapidinho aqui no liquidificador, você vai vê.
Lá na roça não tinha eletricidade, quem dirás liquidificador. Assim, o leite de coco era produzido artesanalmente. Então, as crianças eram designadas para ralar o coco e eu tentava não ralar meu dedo (rsrs) e sempre comia o pedacinho de coco que ficava sem poder ralar. No entanto, para extrair o máximo de leite do coco, vovó pegava o bagaço, colocava num pano e espremia bastante. Mas não havia desperdício não, pois com o bagaço ela fazia um bolo pra mais logo mais a noite pra gente tomar café.
– Tá quase pronto. Arrume a mesa aí, vá … coloque os pratos, garfo e faca. Cadê seu pai? A comida já tá quase pronta.
Mesa farta e comida posta. Embora seja ritualístico e particular como cada um vê e trata o alimento, essa particularidade (ou toque especial) começa na escolha da matéria prima, passa pelo preparo do produto e se perpetua na maneira em que ele vai ser utilizado. Por fim, ao redor da mesa ou mesmo sentado no chão, com o prato apoiado numa das mãos e a outra amassando o bolinho de comida, vamos sendo nutridos de história, tradição e muito afeto.
Agradeço pela sua companhia neste texto e gostaria de ler seu comentário sobre a Bahia Afetiva. Espero você nos próximos episódios. Abraços!
As fotos são do post sobre a Feira de São Joaquim
VEJA TAMBÉM:
Post #2 Bahia Afetiva – banho de rio