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Onde estão os negros em Buenos Aires?

Onde estão os negros em Buenos Aires?

Escrito por Vaneza Narciso | Publicado em:

Enquanto caminhava pelas ruas da cidade portenha, me perguntava: onde estão os negros em Buenos Aires? A partir desse questionamento, me debrucei sobre alguns textos que lançam luz sobre o tema e que me levaram a investigar qual foi a contribuição dos negros para a cultura argentina.

A história dos negros em Buenos Aires é um capítulo frequentemente subestimado na narrativa nacional argentina. Embora a imagem predominante da Argentina esteja associada à herança europeia, principalmente italiana e espanhola, a presença afrodescendente desempenhou um papel crucial na formação da sociedade portenha desde os tempos coloniais.

Chegada dos negros em Buenos Aires

No período colonial, Buenos Aires foi um importante porto para o comércio transatlântico de escravos, o que resultou em uma considerável população negra na cidade. Durante o século XVIII e início do século XIX, os afrodescendentes constituíam uma parte significativa da população de Buenos Aires. Eles eram amplamente empregados como trabalhadores domésticos, artesãos, soldados e em serviços urbanos essenciais, contribuindo diretamente para o desenvolvimento econômico da cidade.

As sociedades portenha e argentina, eram compostas em 1850 por 40% de negros, segundo a publicação do The South American Handbook (1975). No entanto, ao longo do século XIX, com as guerras de independência, epidemias, e políticas de embranquecimento, a população afrodescendente começou a diminuir em número e visibilidade. Muitos negros foram recrutados para lutar nas guerras e outros foram vítimas de epidemias de febre-amarela, o que contribuiu para a redução da população afroporteña. Por isso, é necessário conhecer o contexto histórico que criou o mito de que na “Argentina não tem negros” e os estudos acadêmicos que o desmistifica.

Por que a narrativa oficial da Argentina tende a invisibilizar a herança africana? Essa marginalização cultural e histórica reflete uma tentativa de homogeneização étnica que ignora a diversidade original da sociedade argentina?

Políticas de apagamento/invisibilização/silenciamento
/embranquecimento

Consideremos algumas políticas de embranquecimento na Argentina e como essas estratégias influenciaram a construção de uma identidade nacional que privilegia a ascendência europeia em detrimento de outras heranças étnicas. Esse debate não só ilumina o passado, mas também desafia a sociedade argentina a confrontar e reavaliar as bases de sua identidade cultural no presente. Como dito pelo pesquisador Guillermo Orsi, no artigo “Não há negros na Argentina”: o mito da homogeneidade racial argentina :

Assim, se a Cidade de Buenos Aires estiver principalmente composta por imigrantes e filhos de imigrantes europeus brancos, a Argentina pode ser entendida como uma nação sem negros, índios e mulatos. Daí decorre que, sendo os porteños [cidadão argentino nascido na cidade de Buenos Aires, branco, descendente de italianos] entendidos como brancos, todas as pessoas “de raça negra” são automaticamente entendidas como estrangeiras.

Na política de assimilação cultural, o estado argentino promoveu historicamente políticas voltadas para marginalizar as identidades afro-argentinas. Neste aspecto, incluiu-se a promoção de uma identidade nacional homogênea que muitas vezes excluía contribuições e narrativas negras do discurso público.

A narrativa da identidade branca na Argentina, tenta anular, silenciar e apagar outras linguagens, quer indígenas ou negras, inclusive no sistema educacional. O historiador Felipe Pigna, em entrevista ao jornal da BBC, explica que a história ensinada nas escolas na Argentina ignora geralmente as contribuições de afrodescendentes, mulheres e povos indígenas. Isso resulta em uma significativa falta de reconhecimento por seus papéis no passado da Argentina.

Podemos citar ainda, como políticas de apagamento da visibilidade negra, as práticas oficiais do censo muitas vezes falham em reconhecer ou categorizar adequadamente os afro-argentinos. Essa falta de representação nos dados demográficos contribui para a percepção de que não há negros na Argentina, reforçando o mito da invisibilidade.

Segundo a pesquisadora, Denise Luciana de Fátima Braz, a estruturação do censo na Argentina contribuiu para reforçar a ideia de que no país não existem negros. Em 1887 houve uma mudança nas categorias étnico-raciais do censo que antes contava com as seguintes opções: índio, pardo, mestiço, zambo, moreno, mulato, negro, escravizado, alforriado e branco. Mas, naquele ano adotou apenas as categorias branca e negra.

Curiosamente, o mesmo censo que antes servia para obscurecer a existência de negros agora está sendo utilizado para desafiar e desmantelar os mitos que cercam a hegemonia branca. Essa mudança indica o potencial do censo de atuar como um meio de empoderamento para afrodescendentes, permitindo que eles recuperem sua visibilidade e afirmem seu lugar na sociedade.

E qual o impacto das mudanças do censo na política? Espera-se que os dados atualizados do censo influenciem políticas públicas e programas sociais destinados a lidar com as desigualdades raciais e promover os direitos dos afrodescendentes na Argentina, promovendo assim uma identidade nacional mais inclusiva.

Contribuição dos Negros para a Cultura Argentina

Apesar da diminuição numérica e da marginalização social, a influência dos afrodescendentes na cultura argentina é inegável. Uma das contribuições mais notáveis é no campo da música e da dança. O candombe, um ritmo de percussão com origem africana, foi trazido pelos escravos e adaptado pelos afro-argentinos, e até hoje é uma parte vibrante da cultura musical de Buenos Aires, especialmente durante as celebrações do carnaval.

Além disso, a milonga e o próprio tango, gêneros que são sinônimos da identidade cultural argentina, têm raízes profundas nas tradições afrodescendentes. A influência negra na linguagem, na culinária e nas tradições religiosas também são aspectos que enriqueceram a cultura argentina, embora muitas vezes tenham sido absorvidos de maneira invisível na cultura dominante.

A mirada sobre a influência africana na cultura argentina desafia a ideia de que a Argentina foi moldada apenas por imigrantes brancos europeus, já que os africanos fazem parte de Buenos Aires desde 1585, contribuindo para elementos culturais importantes, como doce de leite e o churrasco. Sobre este ponto, a historiadora Marisa Pineau, no site da Secretaria de Cultura da Argentina, destaca o seguinte:

“En épocas donde no había método de conservación que contenga la abundancia de carne de vaca que había en el territorio, los blancos degustaban la carne asada descartando las mollejas, la tripa gorda, los chinchulines; mientras tanto, esos “desperdicios” eran consumidos por los negros. Hoy es una de las exquisitas particularidades del asado argentino.”

Outro questionamento relevante é sobre a preservação e valorização das tradições afroargentinas. Quais esforços estão sendo feitos para reconhecer e celebrar a herança afrodescendente na Argentina contemporânea? E, ainda, como o legado afroargentino pode ser mais plenamente integrado na identidade nacional?

A música, a dança e as artes visuais têm sido veículos importantes para a celebração da herança afrodescendente. Em 2013, foi estabelecida, através da Lei 26.852, a data de 8 de novembro como o Día Nacional de los Afroargentinos y de la Cultura Afro  para comemorar a influência africana na cultura argentina. A data tem um significado particular: é o dia da morte de María Remedios del Valle, uma figura histórica afroargentina que lutou como soldado durante a Guerra da Independência da Argentina. Conhecida como “La Madre de la Patria“, ela é uma das poucas figuras afroargentinas que receberam reconhecimento oficial por seus serviços ao país.

A presença negra em Buenos Aires é uma parte essencial, mas frequentemente esquecida, da história argentina. Sua contribuição para a cultura do país, particularmente na música, dança e linguagem, é profunda e duradoura. No entanto, a invisibilidade histórica e social dessa população levanta questões importantes sobre identidade, memória e inclusão. Reconhecer e valorizar o legado afroargentino é crucial para a construção de uma sociedade verdadeiramente plural e justa.

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